Unidade II.III.III

algumas reflexões sobre a educação de adultos

 A educação de adultos emerge, em especial, a partir do século XIX associada a dois fenómenos sociais relevantes: O desenvolvimento de movimentos sociais de massas (movimento operário) e o desenvolvimento e consolidação dos sistemas escolares nacionais “que conduziu, segundo uma lógica de extensão ao mundo dos adultos, à emergência de modalidades de ensino de segunda oportunidade” (Canário, 1999, p.12).

            É, no entanto, após a segunda guerra mundial, num contexto de reconstrução europeia, que se pode falar numa explosão da educação de adultos, duma forma generalizada. Nos anos 60, na conferência internacional de Montréal (1960), os delegados estabelecem uma ligação estreita entre a educação de adultos e o desenvolvimento económico, quer no plano nacional, quer no plano internacional. Segundo Bhola, citado por Canário, “a partir deste momento, o desenvolvimento passará a estar no centro da ideologia da educação de adultos no Terceiro Mundo” (1999, p.13). Esta interdependência entre desenvolvimento e educação dos adultos vai marcar as próprias práticas educativas, sendo possível distinguir quatro subconjuntos destas. São elas a alfabetização, a formação profissional, a animação sociocultural e o desenvolvimento local.

 

            Alfabetização

            A alfabetização (e o ensino recorrente) organiza-se como sendo uma oferta educativa de segunda oportunidade. Exemplo disto é a campanha lançada durante os anos sessenta pela UNESCO, recorrendo ao método de alfabetização funcional, “cuja orientação principal preconizava a combinação entre a aquisição da leitura e da escrita e a formação de base, designadamente profissional, segundo estratégias intensivas(...) e segundo programas diversificados e flexíveis” (Santos Silva, 1990, p.13).

 

            formação profissional

            A formação profissional está orientada para qualificação e requalificação acelerada da mão-de-obra (Canário, 1999), introduzindo-as no núcleo duro da educação de adultos (Santos Silva, 1990). Numa fase de grande desenvolvimento do sistema escolar, as necessidades  de formação geral e técnica, de alguns grupos de trabalhadores dos serviços e da indústria, a par da expansão da doutrina da modernização pela qualificação dos recursos humanos[1] transforma a questão do ensino recorrente, para adultos activos, e a da formação pós-escolar de trabalhadores, em eixos centrais da convergência das políticas educativas e de mão-de-obra (Santos Silva, 1990). “No campo da formação profissional contínua, a tradicional dicotomia entre o lugar de «aprender» e o lugar de «fazer», característico do modo escolar, tende a ser contrariada por uma tendência no sentido de uma forte finalização das situações formativas, em relação às situações de trabalho. Esta valorização da articulação das práticas de formação com os contextos de trabalho está associada quer à crescente importância do factor trabalho, relativamente ao factor capital, bem como à evolução do conceito «taylorista» de «mão-de-obra» para o conceito de «recursos humanos»(Canário, 1995)

 

            animação sociocultural

            A animação sociocultural implica o reconhecimento do carácter educativo da experiência vivida em contextos diversos e exteriores ao universo escolar. “Não se circunscrevendo à problemática da ocupação dos tempos livres, em meio urbano, evolui no sentido de se tornar uma estratégia de intervenção social e educativa ao serviço de projectos de desenvolvimento em contextos socialmente deprimidos (...) ” (Canário, 1999, pp.15-16). A grande contribuição da animação sociocultural para a acção e reflexão educativa foi o ter conseguido por em evidência a dimensão quantitativa e qualitativa dos fenómenos educativos não formais.

 

            desenvolvimento local

            O desenvolvimento local pressupõe práticas de articulação com a educação de adultos, numa lógica local. Implica uma forte valorização da participação directa dos interessados. Ao confundir o processo de desenvolvimento com um processo educativo, coloca um conjunto de questões que põem em causa os fundamentos da forma escolar, que continua a predominar na educação de adultos. Estes processos de desenvolvimento local tornam-se momentos de síntese dos diferentes “pólos que definem a educação de adultos (animação, alfabetização, formação profissional), contribuindo para tornar mais visível a globalidade dinâmica dos processo de educação de adultos e contrariando uma visão analítica e estanque dessas várias dimensões” (Canário, 1999, p.15).

 

         Rui Canário (1999), citando António Nóvoa, indica seis princípios capazes de servir de orientação a qualquer projecto de formação de adultos (pp.21-22).

             1º Principio

O adulto, em situação de formação, tem de ser visto como portador de uma história de vida e de uma experiência profissional que não poderá ser remetida para o esquecimento. Assim ganha uma importância inegável reflectir sobre o modo como ele próprio se forma, isto é, “o modo como ele se apropria do seu património vivencial através de uma dinâmica de compreensão retrospectiva”;

             2º Principio

 Formação enquanto processo de transformação individual numa tripla dimensão do saber: saber, saber fazer, saber ser. Pressupõe uma grande implicação do indivíduo em formação, bem como uma participação alargada dos formandos na própria concepção e implementação da formação;

   3º Principio

             Formação enquanto processo de mudança institucional, ligada estreitamente à instituição onde o sujeito exerce a sua actividade profissional. Assim espera-se um contrato tripartido, estabelecido entre equipa de formação, formandos e instituições;

              4º Principio

             A formação deve organizar-se “numa tensão permanente entre a reflexão e a intervenção,” assentando num processo de investigação e sendo encarada como uma “função integradora institucionalmente ligada à mudança”;

             5º Principio

          A formação deve desenrolar-se preocupando-se em desenvolver, nos formandos, as competências necessárias para serem capazes de mobilizar, em situações concretas, os recursos teóricos e técnicos adquiridos durante o processo formativo;

 

            6º Principio

             “E não nos esqueçamos nunca que, como dizia Sarte, o homem caracteriza-se, sobretudo, pela capacidade de ultrapassar as situações pelo que consegue fazer com que os outros fizeram dele. A Formação tem de passar por aqui”.

             

            No que diz respeito ao plano metodológico existe uma característica especial que é referida por Marcel Lesne (in Santos Silva, 1990): “uma das características especiais da formação de adultos (...) consiste em ser organizada sob forma de acções, ou seja, sob a forma respostas especificas e parciais a problemas mais gerais, de ordem económica, social, cultural postos por organizações, grupos, pessoas” (p.106). Neste aspecto as situações pedagógicas criadas correspondem a uma resposta a necessidades detectadas, a que os próprios planos de formação procuram responder. Estas acções assentam em elementos do contexto em que se inserem, enquadrados numa conjuntura sociocultural mais ampla. Assim e como refere Augusto Santos Silva, o sucesso da acção educativa está intimamente associada à relação estabelecida com o contexto e com os projectos pessoais ou grupais que a enquadram. “Em consequência, em sociedades tão marcadas, como a nossa, por esse poderoso contexto de socialização que é o trabalho, a articulação da prática educativa à prática social (em sentido lato) passa crucialmente pela ligação dos modos e conteúdos de formação às experiências e perspectivas de trabalho dos formandos” (p.106).

           

            O ensino recorrente, enquanto parte da educação de adultos, ganha aqui uma pertinência inegável. Desde logo porque esta reflexão se insere num processo que visa pensar a formação dos professores do primeiro ciclo deste nível de ensino. Assim, importa agora reflectir sobre a relação entre a educação de adultos e o ensino recorrente, isto é, pensar no lugar que esta ocupa no sei daquela.

            O ensino recorrente insere-se nas estruturas formais do ministério da educação, e sua origem remonta à fase em que foi atribuído maior relevo aos processos de alfabetização, necessários para educar uma população com elevada taxa de analfabetismo. O ensino recorrente resulta, de alguma forma, da constituição de uma rede pública em educação de adultos (Santos Silva, 1995), que visava trazer para o recato dos corredores do Ministério da Educação (e dos seus serviços descentrados) aquilo que desde 1974 vinha sendo feito pelo associativismo civil.

            O ensino recorrente funciona então, como um sistema de segunda oportunidade, que visa o acesso a uma educação escolar, certificável. Destina-se principalmente àqueles que, por diversas razões, não puderam ainda concluir um determinado percurso escolar, a que legitimamente têm direito. Assim, está para além do mero conceito de alfabetização, visando um tipo de formação muito mais alargado, muito para além do mero aprender a ler, escrever e contar. Rui Canário faz referência a isso mesmo ao situar esta questão no contexto português, frisando a função do ensino recorrente como sendo de segunda oportunidade. “A alfabetização e educação básica de adultos têm vindo a estruturar-se, nomeadamente no caso português, através da concentração de recursos num sistema de ensino recorrente, susceptível de permitir àqueles que nunca puderam frequentar a escola e àqueles cujo percurso escolar foi marcado pelo insucesso e/ou pelo abandono precoce, a possibilidade de iniciar, reiniciar ou aprofundar estudos, em particular ao nível da educação básica” (1999:49)

 

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